sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Elas querem conquistar ESPAÇO!

Na construção civil espaço é aberto aos poucos; nos cursos acadêmicos de exatas, presença ainda é reduzida

Gracieli Polak
CANOINHAS
Passar pela frente de uma obra pode não ser mais uma tarefa tortuosa para as mulheres. Isso porque, aos poucos, a construção civil tem se aberto para profissionais do sexo feminino e mudando um conceito antigo da sociedade. Agora, obra é lugar de mulher sim, inclusive em Canoinhas.
Nas construções da cidade uma tendência surgida no Rio de Janeiro aparece com força e muda o cenário, antes somente masculino. Na capital carioca, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) lançou um curso específico para formar mulheres para trabalhar em diversas áreas da construção civil e promove sua incursão no mercado de trabalho. Em Canoinhas elas se aventuram no ramo buscando conhecimento por conta própria, enquanto uma nova geração busca espaço nas cadeiras de cursos universitários historicamente masculinos, como engenharia.
No meio do universo de trabalho masculino, mesmo em meio às dificuldades de adaptação e reconhecimento dos colegas, de uma coisa elas têm certeza: “com competência, seu lugar se garante, independente do sexo”.

A CHEFE DA OBRA


Com um sorriso no rosto e um capacete na cabeça, a contramestre das obras do Instituto Federal de Santa Catarina comanda mais de 50 homens e coordena o trabalho na construção grandiosa empreendida no bairro Campo d’Água Verde, que em poucos meses abrigará centenas de estudantes. Aos 33 anos de idade, Mariléia Vieira Domingos se prepara para ser mestre de obras na construtora em que trabalha há dois anos e, na hierarquia do local de trabalho, só tem um subordinado. “Eu mando nessa obra”, fala, empolgada.
Enfermeira por formação, Mariléia não se encontrou profissionalmente em sua área e, entre um emprego e outro, no comércio ou no varejo, acabou na construtora. “Eu comecei a trabalhar como zeladora. Em três meses eu já era apontadora da obra”, conta. Curiosa e interessada pelos problemas do trabalho, ela começou a ganhar espaço e, com o surgimento da construção em Canoinhas, foi convidada para vir para a cidade, com o propósito claro de ser preparada para se tornar a única mestre de obras da construtora. “Quando surgiu a oportunidade de vir para Canoinhas, como contramestre, eu aceitei na hora. É uma ótima oportunidade de crescer no ramo”, explica.
A contramestre, que nunca pensou em trabalhar nesta área, afirma que, no entanto, a adaptação dos homens à chefia feminina não foi tão rápida como sua ascensão profissional, fator responsável por algumas situações incômodas na profissão. “Foi preciso ter muita força de vontade, porque homem já é um tipo complicado. Peão de obra, então, é mais ainda, mas foi preciso me impor. Hoje eu tenho uma equipe formada, que respeita meu trabalho e meu comando”, diz.

VAIDADE?

Sempre de capacete ou de boné, uniforme da empresa e sapatões que contrastam radicalmente com uma das paixões femininas, vaidade na profissão de Mariléia é um artigo de luxo, que ainda afasta muitas mulheres do trabalho pesado, de sol a sol. “Eu queria montar uma equipe só de mulheres aqui em Canoinhas. Cheguei a entrevistar várias, mas quando a realidade aparece, muitas caem fora. O capacete, a botina, a roupa suja ainda assustam”, diz. Ainda assim, na construção do IFSC há duas mulheres sob seu comando: uma apontadora e uma ajudante de pedreiro.
Ainda que no uniforme da obra, “mulher é sempre mulher” e por isso, todo pequeno cuidado não é frescura. “Protetor solar tem de passar sempre e de vez em quando, também um cremezinho. Durante a semana eu não sei ficar sem um boné na cabeça, mas durante as folgas isso muda”, revela Mariléia, que pretende voltar a estudar para crescer ainda mais na profissão. Em breve, assim que a obra em Canoinhas terminar, ela volta para Joinville, onde mora, e começa um curso técnico em Edificação, ou a faculdade de Engenharia Civil. “Não saio mais daqui não. O meu trabalho agora é na obra, só preciso me aprimorar sempre”, conclui.

PRESENÇA REDUZIDA

Com mercado sempre garantido, a carreira universitária nas profissões consideradas masculinas passa a ser considerada por um número cada vez maior de mulheres, mas ainda com restrições: mulheres ainda são unanimidade em algumas áreas da saúde, como Enfermagem, Nutrição e Psicologia, aonde a proporção feminina chega a 100% nas universidades.
Micheli Seleme é uma das poucas mulheres que passam pelas salas de aula dos cursos de exatas das universidades brasileiras. Formanda do curso de Engenharia de Telecomunicações da Universidade do Contestado (UnC), ela é a primeira mulher a se formar no curso em Canoinhas e, na sala repleta de homens, apenas mais duas mulheres a fazem companhia. O interesse pela área surgiu ainda no colégio, quando os celulares começaram a se popularizar e a internet também começou a ganhar corpo no País. “Eu sempre fui muito curiosa e queria saber o que estava por trás das coisas, como tudo funcionava”, diz.
Aos 16 anos, Micheli entrou na faculdade de engenharia e teve de batalhar por seu espaço em meio à maioria absoluta de homens. “No começo eu tive resistência mesmo dentro do curso, mas com o tempo a situação melhorou e hoje não existe mais”. Com mercado de trabalho aberto para a profissão, Micheli pretende arriscar construir uma carreira em uma cidade maior, com uma resposta pronta para quem demonstrar preconceito contra a “invasão” feminina. “Se você mostrar competência, independente de ser homem ou mulher, você vai ser reconhecido”.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), independente de executar as mesmas funções que os homens, as mulheres ainda recebem cerca de 10 % a menos que os colegas do sexo masculino.